sábado, 20 de junho de 2015

Interferir para que?


Como sabemos, e já foi dito aqui em outro post, o corpo humano é uma máquina bastante eficiente e qualquer tentativa de emular seu funcionamento pode causar vários riscos, e quando se trata da gravidez esse risco aumenta haja visto que qualquer substância mal administrada pode influenciar negativamente o desenvolvimento do bebê.
Tendo em vista que o organismo da mulher já é bem eficiente no processo de gerar, gestar e parir, e observando a Política Nacional do Parto Humanizado este processo deve acontecer com o mínimo de perturbações e intervenções possíveis. Num parto normal o próprio organismo materno se ocupa em produzir anestésicos (beta-endorfinas) que aliviam a dor do parto, ou mesmo de produzir níveis suficientes de ocitocina o que previne hemorragia pós-parto.

Isso levanta um questionamento, quais seriam os riscos para o corpo da mãe com essas intervenções?
Comecemos abordando sobre o bebê. Durante o período pré-natal seu cérebro está suscetível a sofrer danos irreversíveis e estudos apontam que substâncias ministradas perto da hora do parto, mesmo em diminutas doses, podem causar efeitos adversos na estrutura e química do recém-nascido, danos esses que podem demorar anos até serem descobertos e devidamente tratados.

Um medicamento ministrado diretamente na corrente sanguínea da mãe consequentemente também atingirá o bebê. A meia-vida das substâncias ministradas (ou seja, o tempo que se leva para reduzir em 50% o nível do fármaco na corrente sanguínea) é muito maior no bebê. Tomemos por exemplo a buvicaína (anestésico local derivado da cocaína), tem uma meia-vida de 2,7 horas em adultos, já em um recém-nascido tem meia-vida de 8 horas.
Os fármacos utilizados em procedimentos de rotina nos partos continuam agindo no corpo da mãe e do bebê por horas após o parto, inclusive fazendo com que a mãe esteja sedada no momento do primeiro encontro com seu filho, e que o bebê nasça sob o efeito destas mesmas drogas, que como já foi dito causará um efeito prolongado em seu corpo o que poderá mudanças em seu cérebro. As consequências dessa interferência poderão ser percebidas mais tarde visto que no momento do parto o cérebro do bebê deveria estar inundado por ocitocina.

O perfeito funcionamento da produção de hormônios pelo corpo materno é controlado pelo sistema límbico, e este só funciona adequadamente em ambientes tranquilos e agradáveis, muito diferente de muitas salas de hospitais onde as mulheres tem seus bebês, e é justamente aí que a ideia do parto humanizado se baseia que é prover conforto e condições favoráveis para que a mulher dê a luz em condições que promovam seu bem-estar e com a mínima interferência possível, haja visto que seu corpo é preparado para este momento.




Referencia

Buckley, S. Epidurals: risks and concerns for mother and baby. Disponível em: <http://sarahbuckley.com/epidurals-risks-and-concerns-for-mother-and-baby>.


Brasil. Ministério da Saúde. Humanização do parto e do nascimento / Ministério da Saúde. Universidade Estadual do Ceará. – Brasília: Ministério da Saúde, 2014. 465 p.: il. – (Cadernos HumanizaSUS; v. 4. Disponível em <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderno_humanizasus_v4_humanizacao_parto.pdf>.

3 comentários:

  1. Interessante ver como em um passado não tão distante pouco se interferia no parto, depois passou-se por uma alta interferência, e retornamos à interferência mínima. Só que, com os recursos tecnológicos e científicos, podemos assistir esse processo natural de formas a prover maior segurança tanto à parturiente quanto ao bebê.

    O citocromo p450 (família de enzimas hepáticas que agem na depuração de várias substâncias) se mantém em cerca de um terço da quantidade de um adulto, reduzindo em muito a capacidade de depuração. Por isso a meia vida no feto é tão maior que na mãe, como falado na postagem.

    Nada como deixar a natureza seguir seu curso e interferir somente em casos realmente necessários.

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    1. Fonte: http://www.facmed.unam.mx/publicaciones/ampb/numeros/2012/02/g_3erArticulo.pdf

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  2. Ótima postagem! Vale a pena ressaltar sobre a janela terapêutica de fármacos tanto no organismo da mãe quanto no feto. Assim, como fora dito que o tempo de meia vida do fármaco na corrente sanguínea da mãe é menor que no feto, se essa substância for administrada em gestantes sem o devido cuidado com o feto e suas propriedades cinéticas com relação à substância, pode ser que a dose do fármaco saia da janela terapêutica e encontre-se em doses tóxicas para o bebê. Enfim, vale a pena refletir sobre isso.

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